quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

De Plástico



Pensamentos flutuam em minha mente feito pétalas que,
Constatando a ausência de sua mãe Rosa,
Flutuam lentamente em direção à grama verde,
Que intensa e borbulhante as espera.

Palavras escapam da minha boca em direção ao vácuo,
Rumo ao deserto de almas vãs no qual o planeta se converteu.
Vãs. Nada além de supérfluas e vãs.

Movo-me inutilmente em direção a um espaço ocioso,
No qual a loucura construtiva já de nada mais vale.
Onde foram parar minhas flores, meus chocolates, minhas juras de amor sob a lua?
Onde estão os meus sapatos velhos,
Que eu abandonei pela inútil crítica de algum inútil ser vão?

Esvairam-se. Foram embora minhas crenças, meus valores, minhas calças largas,
Sumiu até mesmo a doce rebeldia dos meus cabelos.
Perdi-me em alguma esquina, em algum poço profundo que conduz ao infinito e,
No meu lugar, respira um ser fabricado, de olhos verdes, cabelos lindos e dentes brilhantes.

Sim, todos ao meu redor estão felizes com meus olhos verdes de plástico,
E me assistem freneticamente com seus olhos igualmente verdes e vazios,
De plástico.
Mas por que priorizar meus olhos, se minhas pernas, meus cabelos e meu nariz de plástico
São todos igualmente lindos e agradam a todos os meus semelhantes?

Semelhantes, literalmente. Somos todos como máquinas iguais,
Cujo sorriso é de tamanha falsidade que faz falecer a mais nobre das flores.
Meu coração era de pétalas.
Hoje ele é de metal e papel.

E se eu tenho algo por dentro?
Antes de me adequar ao mundo, talvez. Sentia cheiros, toques, sons.
Mas não há problema. Hoje, tudo que eu não possuir,
Mandarei apenas fabricar e injetar em qualquer uma destas veias vazias.
Nelas, desde que me tornei de plástico, amor já não flui mais.

Desejos



Hoje eu desejo quase nada de quase tudo
Desejo uma flor, ou uma chuva de lasanhas de frango brotando do céus
Desejo um amigo que ouça além do que minha fala diz
E todos os sonhos mais coloridos do mundo

Desejo um abraço, uma carta borrada e um beijo colorido
Menos roupas bonitas, menos sapatos apertados,
Um aperto suado de criança,
E o desespero de não saber onde enfiei estes óculos

Desejo, de tudo o que for bonito e leve, um pedaço
De toda brisa e canção, uma andorinha e uma rima
De todo choro de bebê, a pureza daquelas lágrimas
E de todo amor, enquanto dure, uma aliança pra vida toda

E desejo, sempre e acima de tudo
Que para cada metade, exista um espelho
Que para cada suspiro, surja por mágica uma promessa
Que para cada dia de Sol, hajam sempre pés descalços na areia
E que para cada ser humano,
O alegre desespero de sentir-se o mais vivo que puder!

Existir


Nadar, pular, dançar
Não há gozo maior que ser gota desse mar
Comer, beber, tremer, arder
Não há esplendor como o de a esta terra pertencer

Surgir, crescer, gemer, vencer
Sorri de tudo e de tanto até aqui cair
Caí e ergui-me, pura e impura
Como curiosa mistura de orvalho e Tietê

Dancei, e como dancei
E o oscilar das minhas saias hipnotizava
Ocultando mágoas e rupturas,
Escondendo toda a noite que havia em mim

Arranquei essa venda nos olhos
Vendi-a para olhos mais cansados de luz que os meus
E o brilho desse galho, desse ar, desse chão
Jogaram nessas mãos esmeraldas, safiras e rubis

Vendi os rubis, as esmeraldas e as safiras
E com o ordenado, comprei toda a música do mundo
Gritos, risadas, perguntas e exclamações
Pulsações, medos, tremores e sons derretidos

Proprietária de lembranças
Mais rica que fazendeiros, empresários e agiotas
Dançarina de pano
Mais delicada que qualquer boneca de petróleo já produzida

Meio Assim



"Coração? O que é isso?"
"Como assim você está apaixonada, Márcia?"
"Eu sei que vou ser a última a amar, portanto nem me estresso."
"Ele te largou? Gostaria de te entender, mas não entendo."
"Inacreditável como o primo da Rita é lindo."
"E além de lindo, cavalheiro e cheiroso."
"Ele falou sobre mim com você? Hahaha, conta a do papagaio!"
"Sério? Então entrega o meu número. O interessado sempre liga."
"Ligooooooooooooooou!"
"Me chamou de linda e foi me deixar em casa, marcando já a próxima."
"Acho que ele tá MUITO na minha. Galinha? Que nada, ele vai mudar por mim."
"Ele disse que tem algo muito sério pra me falar. Será?"
"Estou namorando. Morra de inveja."
"Agora posso participar dos programas de casais com vocês. Amém!"
"Tá, eu sei que dar camisa é fácil. Mas de que cor eu compro pra ele?"
"Amo a banda preferida dele, o chocolate preferido dele, tudo, menos a namorada dele. Tão perfeito... o que ele viu em mim?"
"Não posso, amiga, tenho que ir para o aniversário da tia avó dele."
"Ele, ele, ele."
"Brigamos."
"Ele me deu flores! Fica tão lindo arrependido!"
"Discordo da visão política dele. Mas o que isso importa, né?"
"Não gostei do corte novo de cabelo dele. Mas não posso dizer. O que faço?"
"Brigamos."
"Brigamos."
"Brigamos."
"Ele me enganou. Eu devia ter ouvido todas vocês. Fui idiota, e ainda o sou por não esquecê-lo."
"Você o viu com ela na festa? Cafajeste, não precisou nem de uma semana pra me esquecer. E eu nessa fossa. Quando vou me apaixonar por um nerd?"
"O amor não existe. Me conte sobre um casal que deu certo. Demorou pra responder. Viu? Não há."
"O esqueci, mas não esqueci de dizer que o esqueci."
"Dane-se o mundo."
"Ah, quer saber? Inacreditável como o irmão da Rita é lindo."
"E além de lindo, cavalheiro e cheiroso."

Trajetória de quem comeu o pão que o diabo amassou.

Não Fui Eu


O que vejo por aí já não sou eu
O que defendo, abstrato que ainda não nasceu
O que contei, foi a loucura que me deu
E o que escrevo, tampouco há de ser meu

Escrevi a ilusão
Atribuindo a mim o mérito da partida
Esquecendo que, se o que mora no papel jorra
É culpa da força que recebo
São visões de uma realidade nova
Imagens do que eu nunca antes vi

Então, se não passo da visão
Tira de mim a culpa pelo que canto
O propósito é da mente rebelde onde habita o rei
Que nada sabe governar

Poesia é o que recebo ao ver a bolseta antiga
Ao invejar a pureza de uma vida
Que, de terna
Me distrai e me leva ao corte co'a ferrugem do relógio travado

Escrevi apaixonada na areia,
Não o teu nome, vá de retro!
Mas versos de um futuro livre
A poesia de um amor impossível sem mim

Desenhei laços de prata no calcário
Não os laços que se faziam entre nós, cruz credo!
Mas os laços que enfeitam os meus sapatos

Belos sapatos!
- Mas, que temos nós a ver com os teus versos?

Pergunta ao poeta,
Já vos disse que a culpa não foi minha
Se sequer meus versos me pertencem,
Como quererei eu extrair deles qualquer por quê?

O Primeiro Verso


O primeiro verso nunca é o primeiro
Sempre vêm o segundo, o quarto e o terceiro
Jamais é obra inacabada,
Nunca tem nada a ver com nada,
E o esquecimento é seu lugar

O primeiro verso, nunca pioneiro,
Seja em preferência, seja em atenção
Quando não xingado e deletado,
Dá de cara com o segundo verso descarado,
Que o retira de seu patamar

Não causa impacto,
Não é o verso do qual você vai lembrar
É o terrível culpado pelas páginas amassadas
E pela lixeira em superlotação

O primeiro verso é o obsoleto
Ovelha negra da família poesia
Felizes do refrão, do clímax e do final da canção
Em seu eterno martelar

Pobre primeiro verso,
Tão complexo e tão de lado
Vilão! As horas passam e não surges em minha mão
É bem feito seres esquecido, então!

Meu coração porém é mole
E para frear a hierarquia,
Que, por um segundo,
O solitário primeiro seja o memorável último:
O primeiro verso, você verá, jamais será o primeiro!

Tripartição


Pouso os pés sobre'ste mar
A água salgada se torna o sustento destes velhos dedos
E a maré aos poucos os consome,
Célula após célula os consome.

Afundo as mãos nesta viajante areia
Os grãos cristalinos dialogam com meus poros
E a palma desta mão se transforma, em segundos,
Na melhor sala de estar do mundo inteiro.

E esta areia é fração sutil de mim
E estes cachos de queratina são as ondas do oceano
E na doce brisa, e nas impotentes nuvens,
E em todo este sal é onde me encontro.

Vivo por um instante essa solitária fusão
Entre criador e criatura
E ao retornar para a terra firme, lar atual,
Me questiono insaciável:
Se ontem fora peixe,
E hoje seja gente,
Amanhã quem sabe?
Quiçás mil asas ter!