sexta-feira, 13 de julho de 2012

Maçã


O leite jorrou vermelho
Mãe de quinta viagem, fitava o mais amargo dos lábios
 Seu seio a sugar

“Irracionalidade egoísta!”, pensou
Entre o riso e o suspiro,
O bebê aprovava a matiz do composto

O passado lhe entregara filhos solidários
Antes dali, nenhuma mordida
Sadismo ou sorriso? Nenhuma intenção

O leite jorrou vermelho
Entre espaços e universos,
Nascera-lhe um dos raros donos de si

O leite jorrou vermelho
Vivo como olhos acinzentados
Foram aqueles os que ela mais amou

domingo, 1 de abril de 2012

Anônimo


A morte é vizinha de nossos diálogos
O medo ao redor parafraseia a água
O ar inconstante que, como fumaça, nos enche o peito
É moribundo, porém, sem efeito

O corpo falece e dá vida a fantasmas
Que alegres, felizes, nos roubam as almas
E o banco-sarjeta é nossa morada
Respiração escrava do pecado que, no ar puro, inexiste

E temos receio de tudo
Do Sol, da chuva, do sussurro
Nossos portões se abrem a estranhos
Conhecidos inspiram mais perdas que ganhos

Mas haverá sempre um vazio a forjar uma entrada
Pela porta da frente, por Deus! Descarada
Preenchendo com a vida uma ausência que beira o nada
A morte é inquilina de nossos diálogos

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Segredo


Entre um silêncio e outro
Ela me disse tudo o que eu queria ouvir
E leu, com excelência,
Minhas palavras quando as calei

Entre um confronto e outro
Fez-se da implicância algo tão estranho
Alguma coisa que movia mais confronto
Mas a luta agora era outra
E tudo precisava ser calado

Entre uma costura e outra,
- Havia ela prometido ensinar-me a costurar -
Gravei, nos olhos,
Muito mais do que a costura em si,
Os movimento de suas mãos
Dando risinhos sempre que, distraída,
Ela feria a si mesma com a grossa agulha

Quando, porém,
Fez-se eu o motivo de sua distração
E ela ameaçou furar-se,
Suas mãos já estavam calejadas
Ela não sentia mais nada
Fui embora calado
Nunca mais eu a vi

Mas a boca conserva o gosto do que era dela
E que, assim que calei para sentir
Tornou-se meu

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Som De Chuva


Não sei se é mania de chuva cair sem avisar
Ou mania de moça para as nuvens não olhar
Só sei que veio a chuva, cadente, torrente
Inteira me molhar

Um céu meio vermelho
Repentino a corar
Não sei se de enjoô, vergonha ou medo
Guarda-chuva eu vou buscar

Mas de repente, o canto
Para ouvi-lo nem precisei dançar
Canto de águas, som de chuva
Som um tanto familiar

O canto, belo canto
Guarda-chuva eu vou buscar!

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Príncipe de Liz



Deixa de lero, nem é o que eu quero
Mas encaixa!
Que o teu encaixe é o avesso do meu
E então me cala, me encara, me devora
E não medita que o encanto se perdeu

O teu caminho deu na porta da minha casa
Não vi o leiteiro e, de inocente, congelei
E minhas cartas, meus jornais, e a encomenda?
Em-caixa
Caixa postal, selo de tal, me veio um Rei

Mas não se molha, amor
Chuva caindo pode a Caixa bem molhar
Não vem chorar, amor
Não desespera, flor
Te saco antes e te cubro com uma mão
Quero ver se água, além da minha, te alaga na estação

Mas fique atenta, rosa
Se lhe disserem que o amor acaba com o tempo
E você disser a eles que o tempo não existe,
Olho no relógio
E é chegada a minha hora
Já é tempo de ir embora
Opa, príncipe, acabou...

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ah, tua régua, menino!



Oh, menino!
Carrega a régua com que sais a numerar
Numera casas, calcula medos, pondera sortes,
Carrega a régua que toda medida dá

Caminha, menino!
Não chora, menino!
Por teu destino ser de fato a medição
Sorria, menino!
Te orgulha, pequeno!
Que centímetro aqui, outro acolá,
Tens meu segredo na palma da tua mão

Arreda, menino!
Depressa, mufino!
Que por teus números não se pode esperar
Quanto de leite a mãe dará ao filho?
Quanto de azeite se despeja neste milho?
Quanto de chuva ainda há de nos molhar?

Mas, ah, menino!
Se te pego medindo mentindo,
Mentindo medindo ou fugindo dormindo,
Aí te ensino
A aritmética da dor que uma régua pode dar

Não foges, peralta
Se não me matas co'esta falta!
Sem tua matemática,
O que se há de equilibrar?

Volta aqui, cretino!
Me abraça, menino
Com o meu segredo em mãos
Sei bem que aqui,
Sempre irás estar!

De Que Vale o Paraíso sem Insensatez



Bom mesmo é perder-se
Perder-se em lembranças de infância, num denso bosque
Ou perder-se num castelo arranha-céu
Lugar em que o impossível seja encontrar-se

Bom mesmo é estar de partida
De partida pro parquinho que cheira a walfer morango
E atolar-se na areia com os inocentes pequeninos
E esquecer-se, assim como eles,
De que a vida não é um parque de diversões

Essencial é juntar-se
Juntar-se e, acredite, também MISTURAR-SE
Dançar sob a fúria dos raios e gotas laminadas de chuva
Arriscar a vida por qualquer delírio banal
Transfigurar-se e tornar-se animal
E fazer da vida apenas pelos, garras e dentes

A vida fez de mim este louco sonhador
Louco da pior espécie imaginável
Louco independente, faz e pensa apenas o que quer
O louco anti-social que enxerga a poesia de atirar-se do sexto andar

O louco profano que sonha com o Sol a girar a sua volta
O demente que confundo doce, salgado e amargo
O insano insaciável
Insano dançarino, poeta, pulsante
Insano que acredita no amor como
A última das loucuras lúcidas que ainda lhe restam...