sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Som De Chuva


Não sei se é mania de chuva cair sem avisar
Ou mania de moça para as nuvens não olhar
Só sei que veio a chuva, cadente, torrente
Inteira me molhar

Um céu meio vermelho
Repentino a corar
Não sei se de enjoô, vergonha ou medo
Guarda-chuva eu vou buscar

Mas de repente, o canto
Para ouvi-lo nem precisei dançar
Canto de águas, som de chuva
Som um tanto familiar

O canto, belo canto
Guarda-chuva eu vou buscar!

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Príncipe de Liz



Deixa de lero, nem é o que eu quero
Mas encaixa!
Que o teu encaixe é o avesso do meu
E então me cala, me encara, me devora
E não medita que o encanto se perdeu

O teu caminho deu na porta da minha casa
Não vi o leiteiro e, de inocente, congelei
E minhas cartas, meus jornais, e a encomenda?
Em-caixa
Caixa postal, selo de tal, me veio um Rei

Mas não se molha, amor
Chuva caindo pode a Caixa bem molhar
Não vem chorar, amor
Não desespera, flor
Te saco antes e te cubro com uma mão
Quero ver se água, além da minha, te alaga na estação

Mas fique atenta, rosa
Se lhe disserem que o amor acaba com o tempo
E você disser a eles que o tempo não existe,
Olho no relógio
E é chegada a minha hora
Já é tempo de ir embora
Opa, príncipe, acabou...

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ah, tua régua, menino!



Oh, menino!
Carrega a régua com que sais a numerar
Numera casas, calcula medos, pondera sortes,
Carrega a régua que toda medida dá

Caminha, menino!
Não chora, menino!
Por teu destino ser de fato a medição
Sorria, menino!
Te orgulha, pequeno!
Que centímetro aqui, outro acolá,
Tens meu segredo na palma da tua mão

Arreda, menino!
Depressa, mufino!
Que por teus números não se pode esperar
Quanto de leite a mãe dará ao filho?
Quanto de azeite se despeja neste milho?
Quanto de chuva ainda há de nos molhar?

Mas, ah, menino!
Se te pego medindo mentindo,
Mentindo medindo ou fugindo dormindo,
Aí te ensino
A aritmética da dor que uma régua pode dar

Não foges, peralta
Se não me matas co'esta falta!
Sem tua matemática,
O que se há de equilibrar?

Volta aqui, cretino!
Me abraça, menino
Com o meu segredo em mãos
Sei bem que aqui,
Sempre irás estar!

De Que Vale o Paraíso sem Insensatez



Bom mesmo é perder-se
Perder-se em lembranças de infância, num denso bosque
Ou perder-se num castelo arranha-céu
Lugar em que o impossível seja encontrar-se

Bom mesmo é estar de partida
De partida pro parquinho que cheira a walfer morango
E atolar-se na areia com os inocentes pequeninos
E esquecer-se, assim como eles,
De que a vida não é um parque de diversões

Essencial é juntar-se
Juntar-se e, acredite, também MISTURAR-SE
Dançar sob a fúria dos raios e gotas laminadas de chuva
Arriscar a vida por qualquer delírio banal
Transfigurar-se e tornar-se animal
E fazer da vida apenas pelos, garras e dentes

A vida fez de mim este louco sonhador
Louco da pior espécie imaginável
Louco independente, faz e pensa apenas o que quer
O louco anti-social que enxerga a poesia de atirar-se do sexto andar

O louco profano que sonha com o Sol a girar a sua volta
O demente que confundo doce, salgado e amargo
O insano insaciável
Insano dançarino, poeta, pulsante
Insano que acredita no amor como
A última das loucuras lúcidas que ainda lhe restam...

De Plástico



Pensamentos flutuam em minha mente feito pétalas que,
Constatando a ausência de sua mãe Rosa,
Flutuam lentamente em direção à grama verde,
Que intensa e borbulhante as espera.

Palavras escapam da minha boca em direção ao vácuo,
Rumo ao deserto de almas vãs no qual o planeta se converteu.
Vãs. Nada além de supérfluas e vãs.

Movo-me inutilmente em direção a um espaço ocioso,
No qual a loucura construtiva já de nada mais vale.
Onde foram parar minhas flores, meus chocolates, minhas juras de amor sob a lua?
Onde estão os meus sapatos velhos,
Que eu abandonei pela inútil crítica de algum inútil ser vão?

Esvairam-se. Foram embora minhas crenças, meus valores, minhas calças largas,
Sumiu até mesmo a doce rebeldia dos meus cabelos.
Perdi-me em alguma esquina, em algum poço profundo que conduz ao infinito e,
No meu lugar, respira um ser fabricado, de olhos verdes, cabelos lindos e dentes brilhantes.

Sim, todos ao meu redor estão felizes com meus olhos verdes de plástico,
E me assistem freneticamente com seus olhos igualmente verdes e vazios,
De plástico.
Mas por que priorizar meus olhos, se minhas pernas, meus cabelos e meu nariz de plástico
São todos igualmente lindos e agradam a todos os meus semelhantes?

Semelhantes, literalmente. Somos todos como máquinas iguais,
Cujo sorriso é de tamanha falsidade que faz falecer a mais nobre das flores.
Meu coração era de pétalas.
Hoje ele é de metal e papel.

E se eu tenho algo por dentro?
Antes de me adequar ao mundo, talvez. Sentia cheiros, toques, sons.
Mas não há problema. Hoje, tudo que eu não possuir,
Mandarei apenas fabricar e injetar em qualquer uma destas veias vazias.
Nelas, desde que me tornei de plástico, amor já não flui mais.

Desejos



Hoje eu desejo quase nada de quase tudo
Desejo uma flor, ou uma chuva de lasanhas de frango brotando do céus
Desejo um amigo que ouça além do que minha fala diz
E todos os sonhos mais coloridos do mundo

Desejo um abraço, uma carta borrada e um beijo colorido
Menos roupas bonitas, menos sapatos apertados,
Um aperto suado de criança,
E o desespero de não saber onde enfiei estes óculos

Desejo, de tudo o que for bonito e leve, um pedaço
De toda brisa e canção, uma andorinha e uma rima
De todo choro de bebê, a pureza daquelas lágrimas
E de todo amor, enquanto dure, uma aliança pra vida toda

E desejo, sempre e acima de tudo
Que para cada metade, exista um espelho
Que para cada suspiro, surja por mágica uma promessa
Que para cada dia de Sol, hajam sempre pés descalços na areia
E que para cada ser humano,
O alegre desespero de sentir-se o mais vivo que puder!

Existir


Nadar, pular, dançar
Não há gozo maior que ser gota desse mar
Comer, beber, tremer, arder
Não há esplendor como o de a esta terra pertencer

Surgir, crescer, gemer, vencer
Sorri de tudo e de tanto até aqui cair
Caí e ergui-me, pura e impura
Como curiosa mistura de orvalho e Tietê

Dancei, e como dancei
E o oscilar das minhas saias hipnotizava
Ocultando mágoas e rupturas,
Escondendo toda a noite que havia em mim

Arranquei essa venda nos olhos
Vendi-a para olhos mais cansados de luz que os meus
E o brilho desse galho, desse ar, desse chão
Jogaram nessas mãos esmeraldas, safiras e rubis

Vendi os rubis, as esmeraldas e as safiras
E com o ordenado, comprei toda a música do mundo
Gritos, risadas, perguntas e exclamações
Pulsações, medos, tremores e sons derretidos

Proprietária de lembranças
Mais rica que fazendeiros, empresários e agiotas
Dançarina de pano
Mais delicada que qualquer boneca de petróleo já produzida

Meio Assim



"Coração? O que é isso?"
"Como assim você está apaixonada, Márcia?"
"Eu sei que vou ser a última a amar, portanto nem me estresso."
"Ele te largou? Gostaria de te entender, mas não entendo."
"Inacreditável como o primo da Rita é lindo."
"E além de lindo, cavalheiro e cheiroso."
"Ele falou sobre mim com você? Hahaha, conta a do papagaio!"
"Sério? Então entrega o meu número. O interessado sempre liga."
"Ligooooooooooooooou!"
"Me chamou de linda e foi me deixar em casa, marcando já a próxima."
"Acho que ele tá MUITO na minha. Galinha? Que nada, ele vai mudar por mim."
"Ele disse que tem algo muito sério pra me falar. Será?"
"Estou namorando. Morra de inveja."
"Agora posso participar dos programas de casais com vocês. Amém!"
"Tá, eu sei que dar camisa é fácil. Mas de que cor eu compro pra ele?"
"Amo a banda preferida dele, o chocolate preferido dele, tudo, menos a namorada dele. Tão perfeito... o que ele viu em mim?"
"Não posso, amiga, tenho que ir para o aniversário da tia avó dele."
"Ele, ele, ele."
"Brigamos."
"Ele me deu flores! Fica tão lindo arrependido!"
"Discordo da visão política dele. Mas o que isso importa, né?"
"Não gostei do corte novo de cabelo dele. Mas não posso dizer. O que faço?"
"Brigamos."
"Brigamos."
"Brigamos."
"Ele me enganou. Eu devia ter ouvido todas vocês. Fui idiota, e ainda o sou por não esquecê-lo."
"Você o viu com ela na festa? Cafajeste, não precisou nem de uma semana pra me esquecer. E eu nessa fossa. Quando vou me apaixonar por um nerd?"
"O amor não existe. Me conte sobre um casal que deu certo. Demorou pra responder. Viu? Não há."
"O esqueci, mas não esqueci de dizer que o esqueci."
"Dane-se o mundo."
"Ah, quer saber? Inacreditável como o irmão da Rita é lindo."
"E além de lindo, cavalheiro e cheiroso."

Trajetória de quem comeu o pão que o diabo amassou.

Não Fui Eu


O que vejo por aí já não sou eu
O que defendo, abstrato que ainda não nasceu
O que contei, foi a loucura que me deu
E o que escrevo, tampouco há de ser meu

Escrevi a ilusão
Atribuindo a mim o mérito da partida
Esquecendo que, se o que mora no papel jorra
É culpa da força que recebo
São visões de uma realidade nova
Imagens do que eu nunca antes vi

Então, se não passo da visão
Tira de mim a culpa pelo que canto
O propósito é da mente rebelde onde habita o rei
Que nada sabe governar

Poesia é o que recebo ao ver a bolseta antiga
Ao invejar a pureza de uma vida
Que, de terna
Me distrai e me leva ao corte co'a ferrugem do relógio travado

Escrevi apaixonada na areia,
Não o teu nome, vá de retro!
Mas versos de um futuro livre
A poesia de um amor impossível sem mim

Desenhei laços de prata no calcário
Não os laços que se faziam entre nós, cruz credo!
Mas os laços que enfeitam os meus sapatos

Belos sapatos!
- Mas, que temos nós a ver com os teus versos?

Pergunta ao poeta,
Já vos disse que a culpa não foi minha
Se sequer meus versos me pertencem,
Como quererei eu extrair deles qualquer por quê?

O Primeiro Verso


O primeiro verso nunca é o primeiro
Sempre vêm o segundo, o quarto e o terceiro
Jamais é obra inacabada,
Nunca tem nada a ver com nada,
E o esquecimento é seu lugar

O primeiro verso, nunca pioneiro,
Seja em preferência, seja em atenção
Quando não xingado e deletado,
Dá de cara com o segundo verso descarado,
Que o retira de seu patamar

Não causa impacto,
Não é o verso do qual você vai lembrar
É o terrível culpado pelas páginas amassadas
E pela lixeira em superlotação

O primeiro verso é o obsoleto
Ovelha negra da família poesia
Felizes do refrão, do clímax e do final da canção
Em seu eterno martelar

Pobre primeiro verso,
Tão complexo e tão de lado
Vilão! As horas passam e não surges em minha mão
É bem feito seres esquecido, então!

Meu coração porém é mole
E para frear a hierarquia,
Que, por um segundo,
O solitário primeiro seja o memorável último:
O primeiro verso, você verá, jamais será o primeiro!

Tripartição


Pouso os pés sobre'ste mar
A água salgada se torna o sustento destes velhos dedos
E a maré aos poucos os consome,
Célula após célula os consome.

Afundo as mãos nesta viajante areia
Os grãos cristalinos dialogam com meus poros
E a palma desta mão se transforma, em segundos,
Na melhor sala de estar do mundo inteiro.

E esta areia é fração sutil de mim
E estes cachos de queratina são as ondas do oceano
E na doce brisa, e nas impotentes nuvens,
E em todo este sal é onde me encontro.

Vivo por um instante essa solitária fusão
Entre criador e criatura
E ao retornar para a terra firme, lar atual,
Me questiono insaciável:
Se ontem fora peixe,
E hoje seja gente,
Amanhã quem sabe?
Quiçás mil asas ter!

Vento


Vento vento, mágico vento
És tu o sanativo que cicatriza meu coração
Que apaga da areia os passos errantes que dei
Que expulsa de mim males e bens

Vento vento, agitado vento
Minhas asas, abandono-as no chão
E deixo que tua brisa me leve, me mova
Que teu movimento é o que ainda me resta de emoção

Vento vento, amigo vento
Ombro mais invisível e fiel que o teu inexiste
Me acompanhas aonde quer que eu vá
Dia e noite, és meu eterno par perfeito

Carrega-me contigo
Jura-me vida e amor eternos
Faz de mim partícula leve, pequena, porém nunca seca
És meu único, és tu o príncipe que sempre busquei

Leva-me embora, balança-me em teus braços
E beija-me, jura-me que o Sol e a Lua são presentes teus
Faz-me acreditar nessa estrada e nos pedregulhos
Como provas de que, no fim, és a última coisa que me resta

Vento vento, amado vento
Eu sei, sei que me susurras para voltar à luz
Mas não hoje, não agora
Hoje desejo apenas o breu, o ócio, a imensidão,
Apenas o gozo do teu amor que, acredite,
Me basta.

Borboleta


Dentro deste casulo, estou limitada
Encarcerada em uma prisão de fibras
Quando o único crime concreto que cometi antes
Fora destruir algumas poucas folhas
E queimar alguns poucos dedos

Antes deste casulo
Oh, Céus, quantas cores eu tinha!
Cheia de pelos urticantes
Eu por aí vagava, sonhando com os lugares
Para onde meu fogo me levaria

E eu, que achava que viver fosse fácil
Acabei pregada em uma enfadonha vertical
Dependente, viciada, acorrentada
Prisão fibrosa
Que aos poucos meus órgãos modificava

Eu, que aprendera que respirar seria simples
Nunca senti o sabor de ser simples como o ar que inspiro
E acabei grudada na tua porta
Sem fôlego
Presa no mais profundo dos sonos

E eu, insatisfeita com minhas realidades,
Abri meus olhos, contra a vontade do casulo que me envolvia
E jurei aos céus que tornar-me-ia adaptável
Não me tornei.
E passei a me sentir vermelha num universo de brancos

E eu, logo eu,
Que jurara ser a felicidade sinônimo de ser igual aos outros insetos
Olhei à minha volta, com os olhos ainda abertos
E aquelas fibras fizeram eu me sentir drama, sangue, fogo, imensidão
Num mar de insetos cíclicos e previsíveis

E então voei,
O casulo em que eu dormia de olhos abertos rompeu-se
Abri as asas e passei a viver tudo,
Toda a vida simples e colorida que é ser uma transformação abulante

Sol


Mil anos se passaram, um milhão de milhas percorri

A chuva tocou a minha face pela primeira vez
E a água fria tornou gélida e suave minha tez
Meus pés apaixonaram-se pela ausência de graus
E a lua trouxe de volta flashes que eu queria esquecer


Por anos fixei-me naquela sombra
Segui-a, amei-a, fiz dela o meu lar e o meu ar
O tempo tornou-se refúgio,
E a brisa,
Massagem para o meu coração

Mas amanheceu,
E os raios de Sol são minha nova oração
O calor aqueceu-me, devolveu-me o sangue
Perder as estrelas da noite é ganhar a estrela do dia
E ao contemplá-la, cresci tanto,
Que a saudade do escuro vai se esvaindo mais e mais e mais...